26/11/2018

Carnismo’: por que amamos cães, comemos porco e vestimos vacas, segundo esta psicóloga

Quando era criança, a psicóloga americana Melanie Joy tinha um cachorro e adorava animais, mas não deixava de comer todo tipo de carne. Um dia, almoçou um hambúrguer estragado e começou a questionar sua relação com aquele alimento.

A essa altura, Joy já era psicóloga, e estudava a violência no comportamento humano. Passou a se perguntar o que explicava, do ponto de vista psicológico, o fato de mesmo pessoas que gostam de animais ignorarem a crueldade a que são submetidos para virarem comida. Hoje Joy é vegana e vê contradição no seu comportamento de menina.

Em sua tese de doutorado, cunhou o termo “carnismo”, que ela descreve como “a ideologia que faz com que, todos os dias, nos comportemos de uma maneira que é totalmente contrária ao que gostaríamos, sem nem mesmo percebermos que temos opções, participando do sofrimento de animais”, disse, em entrevista à BBC News Brasil.

Todos deveriam ser vegetarianos ou veganos?

Veganos são aqueles que não comem nem usam produtos animais, enquanto vegetarianos apenas se abstêm de comer carne animal. Veganos não comem laticínios, nem ovos, nem mel, por exemplo. A dieta dessas pessoas é baseada em plantas. Também só usam no dia-a-dia roupas e cosméticos que não tenham origem animal. A comunidade vegana vem crescendo nos últimos anos, principalmente na América do Norte e na Europa, com a adesão de famosos.

Os principais motivos pelos quais as pessoas viram veganas são a crueldade a que são submetidos os animais ao serem mortos para o consumo, o impacto da criação de gado no meio ambiente e questões de saúde.

No entanto, há argumentos contra o veganismo. A proteína animal tem elementos necessários para o bom funcionamento do corpo humano. Sua ausência deve ser substituída por outros alimentos, um equilíbrio nem sempre fácil de manter. “Não é um tudo ou nada, não precisa ser perfeccionista. Tente ser o mais vegano que puder, colocar mais alimentos que não têm origem animal na sua dieta”, diz Joy.

Ela própria reconhece que abandonar a proteína animal não é uma opção para todos, por motivos econômicos e geográfico. “Mas cada vez mais gente pode, então, para essas pessoas, comer animais é uma opção. Nos EUA e em Berlim, por exemplo, é muito fácil comer comida vegana. Sugiro que as pessoas sejam o mais veganas que puderem. Não quer dizer comer alface para sempre”, diz ela.

Também há ressalvas sobre o impacto ambiental. A demanda por quinoa, uma boa alternativa à proteína animal, plantada nos Andes, aumentou tanto nos últimos anos que agricultores plantavam e replantavam-na muito rápido, o que faz o solo perder fertilidade. Algo parecido acontece com a soja, cuja plantação requer desmatamento na Amazônia.

Ainda assim, estudo recente da Universidade de Oxford, na Inglaterra, concluiu que diminuir o consumo de carne e laticínios é a melhor forma de reduzir seu impacto individual no meio ambiente. O estudo diz que carne e laticínios respondem por 18% das calorias que consumimos e 37% da proteína, mas usam 83% da terra voltada para a agricultura e produzem 60% das emissões de gases de efeito estufa. Os cientistas também concluíram que mesmo carnes e laticínios que provocam baixo impacto ambiental ainda assim são menos sustentáveis do que a plantação de legumes e cereais.

A psicologia do carnismo

“O carnismo usa mecanismos de defesa que distorcem nossa percepção e nossos sentimentos, nos desconecta da nossa empatia natural pelos animais, de modo que agimos contra nossos valores morais sem perceber”, diz Joy.

Ela cita mecanismos psicológicos de distanciamento. “Não sentimos o nojo, a tristeza que sentiríamos se víssemos o animal ser morto. Um exemplo desse mecanismo é a desindividualização: vemos animais criados para serem comidos como se fossem todos iguais e não tivessem qualquer individualidade ou personalidade. ‘Um porco é um porco e os porcos são todos iguais’, pensamos. Isso não é verdade. É tão inverdade quanto dizer que cães são todos iguais. Mas se não reconhecermos que eles têm preferências, objetificá-los, vendo-os como coisas, isso tudo torna mais fácil nos distanciarmos do sofrimento deles. É uma ideologia invisível. Você vê o mundo por essa lente.”

Para ela, o perigo mora no fato de que o modo de vida não vegano é visto como natural – pela mídia, pela cultura, pela legislação, pelo estudo da nutrição. Esses mecanismos mentais vêm de nossos antepassados, diz ela.

“O ser humano tem uma tendência a compartimentalizar as coisas. Era como sobrevivíamos no passado. Tínhamos que determinar rapidamente se alguém era perigoso ou não, se fazia ou não parte do nosso grupo. Se você é parecido comigo e portanto é alguém seguro, você tem permissão para estar no meu círculo de preocupação moral. Ou você é diferente e é percebido como inferior. Há menos empatia por pessoas e bichos que não são membros do nosso grupo”, diz a psicóloga.

Fonte: Portal ANDA